Entrevista: Robert J. Sawyer – versão em português

Nessa entrevista, o autor canadense de ficção científica Robert J. Sawyer, ganhador dos prêmios Nebula, Hugo e John W. Campbell Memorial Award, fala de seu processo criativo, dos temas que o fascinam como autor e leitor, além de comentar sua participação na série de TV Flash Foward, inspirada em seu livro de mesmo nome, e sua trilogia Neanderthal Parallax, cujo primeiro volume, Hominids, ganhou o prêmio Hugo da categoria em 2003.

Gilson Luis da Cunha:

Prezado senhor Sawyer, primeiramente, obrigado por esta entrevista.

Eu me interessei por seus livros depois de ler um artigo sobre Hominids, seu primeiro romance da trilogia Neanderthal Parallax. Seguindo seu website, soube que sua intenção original era escrever algo no universo de Planeta dos Macacos. No entanto, você mudou de ideia. Sua trilogia Neandertal tem um forte comentário social, em minha humilde opinião, mais afiado do que o do romance de Pierre Boulle. Para mim, de certa forma, Ponter Boddit é uma espécie neandertal de “Ulysee Merou” ou George Taylor (para os fãs do filme). Você poderia falar um pouco sobre isso?

Robert J. Sawyer:

Você está certo; Tom Doherty, o editor da Tor, esperava conseguir mais informações sobre os media tie-ins (obras de ficção derivadas de uma propriedade de mídia, como um filme, série de TV, jogo de tabuleiro, etc). Ele e eu estávamos jantando e ele me perguntou se havia uma licença de vinculação na qual gostaria de trabalhar. Eu disse: “O Planeta dos Macacos clássico”. Tom achava que era uma franquia bastante deprimente, e sem dúvida, ele estava certo sobre o epílogo do quinto e último filme clássico, Batalha no Planeta dos Macacos. Então, comecei a criar um universo próprio que fosse também adequado para comentários sociais. Você também está certo sobre o fato do romance de Pierre Boulle – que eu admiro – ser um tanto fraco em comentário social; ele é principalmente uma sátira à política acadêmica. Michael Wilson e Rod Serling, que escreveram o roteiro do primeiro filme de Planeta dos Macacos, decidiram focar alvos muito mais significativos: as relações raciais e o medo da guerra nuclear.

Agora, sim, Merou, de Boulle, e Taylor, de Wilson/Serling, são de fato estranhos em uma terra estranha, mas são pessoas como nós – bastante amáveis ​​no caso de Merou; um misantropo amargo e sarcástico no caso de Taylor. Meu físico quântico neandertal, Ponter Boddit, é um estranho, mas a terra estranha não é o planeta Soror (em Boulle) ou o futuro distante da Terra (no roteiro de Wilson / Serling), mas a Terra na primeira década do século XXI; é o nosso mundo. E Ponter é muito mais parecido com Spock de Jornada Nas Estrelas, a esse respeito: ele é o estranho comentando sobre nós. Eu gosto de pensar que antecipei o movimento #MeToo em quinze anos também; o romance é muito sobre as deficiências de muitos Homo sapiens modernos do sexo masculino. Ponter é um exemplo; um personagem modelo; uma explicação do que eu acho que significa ser um homem de verdade: gentil, compassivo, forte, capaz de perdoar, amoroso, inteligente, leal, solidário. Embora a trilogia tenha encontrado um apoio considerável entre a comunidade LGBTQ por seu retrato de um mundo neandertal totalmente bissexual, é realmente um romance sobre as relações de gênero do Homo sapiens e a necessidade de os homens fazerem melhor.

Gilson Luis da Cunha:

Você se considera um escritor temático, alguém que é motivado por questões e pode criar personagens e cenários em torno dessas questões. Quando eu estava na faculdade, um professor me disse: “pesquise sempre os grandes temas”. Encontrei quase exatamente a mesma frase em um de seus livros. Como leitor, é fácil identificar os temas que motivam seus escritos: cosmologia, evolução da consciência, ética e moralidade estão entre os temas que você mais valoriza. Agora eu pergunto: como essas questões se tornaram parte de seus universos ficcionais? Quais autores influenciaram o leitor Robert J. Sawyer?

Robert J. Sawyer:

Em primeiro lugar, H.G. Wells, que encontrei cedo na minha adolescência. Ficou claro para mim que ele estava contando histórias morais: sobre os males do colonialismo em Guerra dos Mundos; sobre os males da segregação de classe em A Máquina do Tempo. Eu dou a ele um lugar de destaque não porque o encontrei primeiro, ou porque ele inventou esse modo, Mary Shelley foi quem realmente o fez, mas porque ele o cristalizou para mim.

Em seguida, Gene Roddenberry e seus escritores, e os melhores episódios da série original de Jornada Nas Estrelas. Você sabe, a terceira temporada de Star Trek é detonada nos círculos de fãs, mas, na verdade, foi uma correção de curso; Roddenberry viu sua criação sair do curso com episódios cômicos – “O Problema com os pingos”, “Eu, Mudd” e “Um Pedaço da Ação” – e Fred Frieberger, o produtor da terceira temporada, trouxe de volta um show temático: olhe para “A Empatia[1]”, que é um resumo das experiências de obediência à autoridade de Stanley Milgram e o efeito que elas têm sobre os experimentadores; olhe para “A última batalha”, que é precisamente tão pouco sutil quanto devia ser a mensagem necessária de um episódio produzido no ano em que Martin Luther King foi assassinado.

Depois disso, sim, Rod Serling e Michael Wilson, por Planeta dos Macacos, além do brilhante Paul Dehn, que escreveu ou co-escreveu todas as sequências. A Twilight Zone[2] de Serling muitas vezes me pareceu pesada e simplista; seu melhor trabalho foi em seu esboço de Planeta (embora todas as linhas memoráveis sejam de Wilson).

Não havia tanto material temático na literatura sobre FC que li em minha adolescência: Asimov, Clarke, Niven. Você pode lutar para fazer com que um tema se imponha sobre da trama, mas, na maioria das vezes, eles são apenas lampejos criativos, sacadas engenhosas. Entretanto, Frederik Pohl mudou minha vida com Gateway, a melhor exploração do tema da culpa que eu já vi.

Gilson Luis da Cunha:

Ainda falando de Neanderthal Parallax, acabei de ler o segundo livro da trilogia e, como o primeiro, concluí a leitura, ansioso por ler o próximo livro. Sou interessado em evolução humana e paleoantropologia, e seu livro nos apresenta a sociedade Barast[3] com um enredo extremamente fluido, sem comprometer o ritmo da narrativa. Não é fácil fazê-lo ao construir um universo. Como foi seu processo criativo nesta trama?

Robert J. Sawyer:

Eu li tudo o que pude encontrar sobre Neandertais – literatura técnica e relatos populares – e fui a reuniões da Paleoanthropology Society, falando diretamente com quase todos os pesquisadores de Neandertal do mundo, incluindo Erik Trinkaus e Milford Wolpoff. Então, criei uma regra: tudo o que eu escolhi para a minha cultura neandertal teria que ser apoiado pela literatura científica. Eu não escolhi necessariamente as interpretações mais prováveis, mas as mais interessantes. Mais significativamente, a noção de que neandertais machos e fêmeas viviam, em grande parte, vidas separadas, vem da interpretação de Lewis Binford, do site Combe Grenal. E há muitas evidências sólidas de que os Neandertais não tinham crenças religiosas. Apenas evidências muito escassas, carregadas de um viés de pensamento ilusório, uma “vontade de crer”, sugerem que eles acreditavam.

Gilson Luis da Cunha:

Infelizmente, você tem um único livro lançado no Brasil, Flash Forward (Editora Record). Tive alguma dificuldade para encontrá-lo, mesmo nas maiores franquias de livrarias, o que me sugere que a edição esgotou rapidamente. Eu amei a adaptação para a televisão e lamento pelo cancelamento da série. Havia conceitos incríveis que estavam apenas começando a ser explorados. Você poderia falar um pouco sobre sua participação na adaptação para a televisão?

Robert J. Sawyer:

Eu era consultor em todos os episódios, escrevi um dos episódios e fiz uma participação especial no episódio piloto. Eu tive uma experiência absolutamente fabulosa: eles me trataram bem em todos os sentidos, e eu fiz amigos que terei para o resto de minha vida.

Gilson Luis da Cunha:

Você é um grande fã de Planeta dos Macacos, bem como séries clássicas de TV de ficção científica, como Jornada Nas Estrelas e O Homem de Seis Milhões de Dólares. Este pano de fundo aparece em alguns de seus enredos. Eu amei as referências à O Homem de Seis Milhões de Dólares em seu livro Humans. O que você pensa sobre o uso de elementos da cultura pop nos livros de ficção científica nos dias de hoje?

Robert J. Sawyer:

Meu editor na Tor, o falecido David G. Hartwell, e eu, costumávamos discutir isso. Ele era contra, mas sou a favor, por duas razões. Primeiro, ajuda a fundamentar o que estou escrevendo na realidade. É meio louco pensar que uma história se passa em um mundo onde Jornada Nas Estrelas e Planeta dos Macacos, agora com mais de cinquenta anos, e O Homem de Seis Milhões de Dólares, agora com 45 anos, não existem e nunca existiram; isso seria uma realidade alternativa, não o nosso universo. E, segundo, há um aspecto meta-ficcional: ficção científica, como gênero, é considerada cultura pop e, às vezes, descartada por causa disso, mas mais pessoas no mundo lembram e foram influenciadas por Jornada Nas Estrelas do que qualquer outro programa de TV dos anos sessenta. Ficção científica – quando é boa e faz pensar – perdura. Sempre.

Gilson Luis da Cunha:

Você lançou recentemente Quantum Night. As implicações da física quântica são temas recorrentes em seu trabalho. Na verdade, esse é um dos ramos mais fascinantes da física. Como você se interessou por esse assunto como parte de suas histórias?

Robert J. Sawyer:

Eu li uma quantidade enorme de não-ficção em todos os campos da ciência, apenas para acompanhar e, é claro, a física quântica foi, no último século, o mais interessante ramo da física. Além disso, a física quântica se liga, e questiona nossas suposições, sobre a própria natureza da realidade. É tanto um tópico filosófico quanto um científico quando você pensa dessa maneira, e eu sempre pensei em mim mesmo como um escritor de ficção filosófica – não SciFi (Science Fiction), mas “phi-fi” (Philosofical Fiction).

 Gilson Luis da Cunha:

Recentemente, li um comentário seu sobre a detecção de ondas gravitacionais por astrofísicos, algo que Einstein achava impossível provar empiricamente. Você já considerou incluir este fato científico em um romance futuro?

Robert J. Sawyer:

Claro, assim como todo escritor de ficção científica hard[4], tenho certeza. Mas não adianta “pular no bonde” e seguir “modinhas”. Sabíamos que as ondas gravitacionais quase certamente existiam, afinal de contas, muito antes disso, e minha primeira venda, o conto “Motive”, que escrevi em 1979, tratava de um alienígena capaz de detectar ondas gravitacionais. Estou muito mais interessado em escrever sobre coisas que são plausíveis, mas que ainda não foram provadas, do que simplesmente incorporar a descoberta mais recente para parecer, de algum modo, atual.

 

[1] Na segunda dublagem brasileira esse episódio ganhou o título de “Joia rara”.

[2] No Brasil conhecida como Além da Imaginação.

[3] Neandertais tecnologicamente avançados de uma Terra paralela, na qual o Homo sapiens é quem foi extinto.

[4] Ramo da ficção científica cujas tramas buscam mais precisão e foco em detalhes de ciência real.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *